Homilia no Dia Nacional da Universidade Católica Portuguesa

Na senda do Verbo Incarnado

"Vem para todos, mas está inteiramente onde estiver"

Na senda do Verbo Incarnado
Manuel Clemente, cardenal patriarca de Lisboa

Há sobretudo que ir ainda mais longe e mais a fundo naquilo que já se faz, para lhe dar uma consistência humana e cristã que supere qualquer positivismo, utilitarismo ou reducionismo ético

(Manuel, Cardeal-Patriarca).- Com amizade e companhia saúdo a todos e cada um dos que aqui celebrais o Dia do Senhor, que é também entre nós o Dia da Universidade Católica Portuguesa. Rezamos por ela, pelos seus alunos e docentes, pelos seus colaboradores e amigos. Rezamos pelo serviço que presta à sociedade e à Igreja, aliás com projeção internacional crescente, quer pelos que connosco veem aprender ou ensinar quer pelos seus diplomados que seguem carreira lá fora. Também nisto é Universidade, pois se universaliza, dentro e fora de fronteiras; é católica, outro modo de dizer universal, com o reforço que lhe dá o Deus de todos para todos; e portuguesa, porque somos realmente assim, sempre prontos a partir, como a voltar e a partir de novo, senão no corpo ao menos no espírito.

Como os católicos em geral, ouvimos neste Domingo o Evangelho de Marcos. Descreve-nos um dia de Jesus, no primeiro anúncio que fazia e cumpria. Sai da sinagoga, vai a casa de Simão e André, cura uma enferma e depois muitos outros. Na madrugada seguinte levanta-se e vai orar para um sítio ermo. Os discípulos procuram-no, encontram-no e pedem que regresse. A resposta que Jesus dá, tanto o define a ele como missão como nos pode e deve definir a nós – e à Universidade Católica Portuguesa – como destino.

Lembremo-la: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que eu vim.» Não se trata de adequar o trecho à nossa circunstância. Trata-se de nos convertermos ao nome que usamos, Universidade Católica.

Há meio século foi a Filosofia, depois a Teologia, depois as Ciências Humanas, de Braga para Lisboa. Hoje, nestas cidades, como no Porto e em Viseu, desdobram-se cursos, criam-se outros novos, somam-se alunos e docentes de Portugal e muitas outras proveniências. No conjunto do ensino superior do país, quanta inovação, quanta criatividade, quantos resultados de excelência, se somaram e continuarão a somar, para benefício da sociedade e da cultura!

E sem que nada disto nos pese enquanto Estado, sociedade politicamente organizada. Dada a escassa conjugação da solidariedade com a subsidiariedade na ordem vigente, em especial no que respeita à liberdade de ensino, quase tudo é suportado pelas contribuições das famílias e de outros amigos da Universidade Católica, além do apoio da Igreja.

Assim crescemos e continuamos a crescer. Seguindo a Cristo, como ouvimos, também a Universidade Católica irá a novos lugares, não necessariamente físicos, mas no vasto campo da ciência, das humanidades e da cultura. É Portuguesa, e Portugal é maior do que a sua geografia.

Há realmente muito a atingir em áreas pouco cobertas. Há sobretudo que ir ainda mais longe e mais a fundo naquilo que já se faz, para lhe dar uma consistência humana e cristã que supere qualquer positivismo, utilitarismo ou reducionismo ético. Quando fomos a Roma visitar o Papa Francisco, a 26 de outubro último, ouvimos-lhe palavras como estas: «Por detrás do docente católico fala uma comunidade crente, na qual durante os séculos da sua existência, amadureceu uma determinada sabedoria da vida; uma comunidade que guarda em si um tesouro de conhecimento e experiência ética, que se revela importante para toda a humanidade. Neste sentido, o docente fala não tanto como representante duma crença, como sobretudo testemunha da validade duma razão ética».

Acolho com particular atenção estas palavras do Papa. Nalguma sociocultura aprecia-se mal a definição confessional no espaço público. Como se o espaço de todos não fosse necessariamente preenchido pelas convicções de cada um, mesmo institucionalmente compartilhadas, ou como se o exercício da cidadania ativa exigisse a abstenção cultual e cultural. Ou seja, deixasse campo livre a alguma ideologia oficial ou oficiosa.

Bem pelo contrário, como dizia o Papa Francisco, uma Universidade como a nossa oferece, na variedade dos saberes, a racionalidade ética da inspiração que a move, comprovada por séculos de evolução criativa. Omitir essa fonte representaria um enorme prejuízo para a sociedade em geral. A história não nos deixa qualquer dúvida a este respeito. O encerramento das dezenas de colégios jesuítas em 1759; o confisco e desbaratamento de tantas bibliotecas monásticas e conventuais em 1834; o que se repetiu em 1910 com alguns colégios e bibliotecas: tudo isto exemplifica cruamente o que os nivelamentos ideológicos por parte de qualquer poder impositivo infligem à sociedade e à cultura.

grandes lacunas na nossa histórica cultural e científica e algumas ainda se arrastam atualmente. Derivam em parte da ausência imposta daquela «metade dos nossos sábios», como o insuspeito Alexandre Herculano se referia a monges e frades expulsos dos seus cenóbios (Os egressos). Foi aliás a essa lacuna que o assim chamado «movimento católico» procurou responder desde os finais do século XIX, com a criação dum estabelecimento como a nossa Universidade finalmente veio a ser, a partir de 1967.

Retomemos ainda o trecho evangélico desta Santa Missa. Retomemo-lo no modo de Deus acontecer no mundo, como era com Jesus. Vem para todos, mas está inteiramente onde estiver. Corresponde totalmente ao que o requeira mais particularmente. A sua salvação acontece naquela altura, naquele gesto e com aquela sequência. Assim ouvimos: «A sogra de Simão estava de cama com febre […]. Jesus aproximou-se, tomou-a pela mão e levantou-a.» E assim será sempre, mesmo nos últimos momentos da cruz: responderá a um dos crucificados com ele, abrindo-lhe o paraíso para esse mesmo dia; confiará a sua própria mãe ao discípulo, alargando a maternidade de Maria a todos nós, um por um. Sempre o universal no particular, sempre o geral no concreto. É esta a religião do Verbo Incarnado e não pode ser outro o método da nossa Universidade.

Assim nos dissera também o Papa, quando o visitámos: «Não basta realizar análises, descrições da realidade; é necessário gerar espaços de verdadeira pesquisa, debates que gerem alternativas para as problemáticas de hoje. Como é necessário descer ao concreto!»

Por isso mesmo concluo, citando palavras da nossa Magnífica Reitora na sua Mensagem para este Dia Nacional da Universidade Católica Portuguesa, com o lema que escolheu – A verdade no concreto: «Ora, se a missão da universidade é a busca da verdade, também é certo que esta missão não constitui uma promessa abstrata, mas que tem uma manifestação material, concreta na forma como através do ensino e investigação contribui para melhorar a condição humana». Assim acertamos com as indicações do Papa Francisco. Assim prosseguimos na senda do Verbo Incarnado.

Lisboa, igreja de São Roque, 4 de fevereiro de 2018

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Autor

José Manuel Vidal

Periodista y teólogo, es conocido por su labor de información sobre la Iglesia Católica. Dirige Religión Digital.

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